Agenda Gotsch

Plantas invisíveis (VIDEO + TEXTO)

Neste vídeo, Ernst nos mostra a estratégia do ecossistema para permitir a regeneração da floresta, apesar de todos os esforços que fazemos para evitá-la. As espécies espinhosas são normalmente consideradas inimigas dos fazendeiros, mas aqui elas se mostram como aliadas perfeitas para ajudar as árvores a voltarem a crescer.

Precisamos é de um "projeto abelha", e não "ovelha" ou "cabras"

Ernst Götsch

Muitos lugares na Terra compartilham a ameaça comum da desertificação. De acordo com o relatório das Nações Unidas (aqui), o mundo perde 12 milhões de hectares por ano por degradação, que transforma o que antes era um bom solo em desertos.

Somos ensinados nas escolas que a maioria dos desertos presentes hoje no planeta são formados naturalmente. Porém, estudos recentes contradizem essa suposição e insistem no fato de que devemos nos responsabilizar pela crescente taxa de terras degradadas que nós humanos criamos como resultado de nossas atividades.

No livro “Dirt: The Erosion of Civilizations” (em inglês), o geomorfologista David Montgomery apresenta provas disso. Desde a revolução neolítica, quando os humanos começaram a manipular a natureza de forma mais intensiva e, acima de tudo, começaram a cultivar, é possível notar um padrão de decadência dos ecossistemas em todos os cantos do planeta. Apesar de toda evolução percebida da humanidade, ainda estamos repetindo os mesmos passos que as civilizações antigas tomaram para transformar suas terras em desertos estéreis.

Vejamos o contexto. A versão moderna do ser humano, o Homo sapiens sapiens, surgiu há cerca de 35.000 anos, no meio de uma era glacial. Naquele período, tínhamos menos florestas e as estepes glaciais eram uma paisagem comum na maioria dos lugares no hemisfério norte. Embora sejamos ensinados a acreditar que o planeta era um ambiente inóspito, alguns estudos mostram que se vivia muito bem nesse período. Éramos 10 cm mais altos que hoje, com dentes e ossos mais fortes e com menos problemas genéticos. Então, entre 13.000 e 11.000 anos atrás, o planeta se aqueceu, as florestas avançaram sobre as pastagens e se tornaram uma paisagem dominante. De acordo com a interpretação de Ernst Götsch, a mudança climática afetou a forma como os humanos se relacionam com a natureza, e essa memória de alguma forma se mantém até hoje. Vivíamos em áreas abertas e não conseguíamos lidar com a nova condição: a floresta, que se tornou a manifestação natural da maioria dos ecossistemas nesse atual período interglacial.

Ao invés de nos adaptarmos a esse novo ambiente, decidimos recriar nossa condição original, e esse padrão se repetia na maioria dos lugares onde a agricultura emergia. A receita não é complicada. Primeiro, você corta toda a cobertura florestal para cultivar grãos - uma prática importante que permitiu os primeiros assentamentos, mas também resultou em uma enorme perda de florestas. Nos últimos 10.000 anos, a agricultura tornou-se nada mais que uma tentativa de continuar espremendo a última gota de fertilidade do solo, levando os ecossistemas a situações cada vez mais distantes de sua condição original e natural.

A zona do Mediterrâneo é um exemplo bem conhecido. Uma vez descrito como o "Jardim do Éden", a região entre os rios Tigre e Eufrates tornou-se deserto graças ao nosso comportamento. Citando Montgomery, é difícil imaginar que o norte da África já foi o celeiro do mundo antigo. Civilizações lutaram por milênios para controlar os solos férteis do Cartago (atual Tunísia). Séculos de intenso cultivo de grãos e azeitonas para exportação despojaram o solo, levando à desertificação e ao abandono da terra na época em que os vândalos tomaram Cartago dos romanos em 439 d.C. A presença de rebanhos nômades de ovelhas impediu a reconstrução do solo e o local se transformou em um deserto. Esta não é uma mudança climática, mas sim resultado da interação humana. Se nós, Homo sapiens sapiens fôssemos inteligentes o suficiente para aprender com os erros evidentes do passado, faríamos as coisas de maneira muito diferente. Mas nós não somos. 

“A agricultura se expandiu tanto na última ocupação romana que suas províncias do Oriente Médio foram completamente desmatadas no primeiro século d.C. Tipicamente, o pastoreio substituiu as florestas em terrenos íngremes demais para a agricultura. Em toda a região, bandos de cabras e ovelhas reduziram a vegetação a quase nada. A erosão catastrófica do solo continuou quando animais demais pastaram as encostas íngremes. Solos florestais construídos ao longo de milênios desapareceram. Uma vez que o solo se foi, o mesmo aconteceu com a floresta", diz Montgomery.

Nós, do Life in Syntropy, estamos agora a viver numa zona a um passo de se tornar um deserto, no sul de Portugal. Olhando pela janela da nossa casa temporária, vemos todas as manhãs uma cena comum e aparentemente prosaica. Dezenas de ovelhas pastando a vegetação recém-brotada que cresce nas encostas após a chuva de outono. Eles comem o ecossistema que tenta se regenerar. Todas as ervas daninhas e mudas de árvores que estão tentando melhorar o local são removidas antes de cumprir suas tarefas. Não admira que haja mais erosão, menos chuva e quase zero matéria orgânica no solo.

De acordo com a classificação da Agricultura Sintrópica, esses locais estão em evidente fase de Acumulação, em que o sistema tende a absorver carbono em compostos mais lignificados. O momento não é adequado para animais de porte grande. Ainda não há alimentos nem para eles, nem reservas do ecossistema para dar o passo sucessional. Mas a natureza nunca está parada ou reclamando. Ela tenta, apesar de todos os nossos maus tratos, retomar o seu ponto de equilíbrio. A estratégia utilizada para lidar com essa situação está exemplificada no vídeo. Basta fazermos a leitura sintrópica do meio ambiente e participarmos com nossas ferramentas, nossa agricultura e nossa tecnologia do processo de regeneração das florestas. Precisamos permitir que a floresta cresça para passar a fase de Acumulação e entrar no estágio de Abundância (ou estágio de Escoamento). Nesse momento, a relação entre carbono e nitrogênio se torna estreita o suficiente para realizar uma transformação mais rápida. Essa dinâmica torna o fósforo disponível e ativa a circulação da água. Como consequência, a fertilidade aumenta e o sistema fornece tudo o que é preciso para os animais de porte grande (inclusive nós, seres humanos) sobreviverem.

Felipe Pasini

5 comentários

  • Hello Felipe,
    I was reading your post. I just want to point out one thing, which I find not very accurate. You have mentioned that ancient civilizations farming has lead to soil degradation.
    Although, lots of ancient civilizations had a lifestyle of living in harmony with nature. And its only the modern civilization, after industrial revolution that human started destroying nature at large scale. Never before in history of manking that such degradation of land has taken place.
    As an example, native American lived in complete harmony with nature and many others like indian sub continent had great understanding of natural life.
    So saying ancient civilization has destroyed nature is not right. It is for the most part moder civilization after industrial revolution had destroyed nature.

    • Hi Varinder, thanks for your comment. It is certainly a generalization. I agree with you and many peoples around the world managed to live in harmony with their ecosystems. In general, though, we talk about dominant models of farming which indeed caused the “erosion of civilizations”, a cycle of degradation shared by humans in different locations and periods, being the Sumerians, Egypt, Roman empire, the Greek, etc. Despite of specific good practices, the dominant models since the first settlements of farmers in ancient Europe (which used slash and burn as a farming technique for millennia until there was no more forest to cut down) caused an overall exhaustion of resources. The evidences Montgomery presents in his book give us new elements to reinterpret the history of farming which makes us wonder that our impacts on nature has been much more profound and older than we used to believe. Thanks again for your consideration! Felipe

  • Prezado Felipe, é sempre um prazer e uma inspiração ler os textos de vocês e assistir os vídeos com o Ernst. Costumava dizer que não posso mudar o Brasil, mas posso manter minha mesa de trabalho arrumada. O novo governo começa seu mandato em janeiro. Estamos em épocas de mudanças. Há uma animosidade patente entre os grandes e os pequenos agricultores, não só pelo forte viés ideológico e político que dominou este cenário nos últimos anos, mas, principalmente, pelo enorme desconhecimento de que existem alternativas sustentáveis e economicamente viáveis para os modelos atuais de produção! Vocês já estão fazendo este trabalho, como pudemos constatar nos vídeos sobre os milhões de hectares cultivados no Centro-Oeste, já utilizando a sintropia como doutrina. Que tal tentar levar esta idéia a nível federal? Como estão os planos neste sentido? Terei conhecimento no mais alto escalão do governo e gostaria de, pelo menos, tentar ajudar a levar a voz de vocês aos ouvidos da nova equipe do Executivo, se é que vocês já não estão lá! Se o caminho já estiver traçado, continuem contando comigo e que Deus esteja com vocês! Grande abraço! Antonio de Maricá.

    • Bom dia Campos, feliz 2019. Sim, a voz do life em sintropia vai atingir pessoas de grande influencia do governo um dia. Basta a gente ajudar a proliferar a ideia, pois cada dia que passa o site aqui fica mais apresentavel e organizado trazendo credibilidade para trabalhos fora do padrao de agricultura que sao praticados pelo mundo e registrados pelo Felipe e toda a equipe. Alias, voce tambem faz parte do time e nem sabe. Seu apoio ja é muito importante. Talvez seja possivel acelerar esse processo se muitas pessoas mandarem emails de forma organizada para os governantes. Em Portugal, o governo da cidade de Mertola ja se posiciona e vai sair na frente no sentido economico provavelmente. Cada um tem um objetivo, mas todos sabemos que o sentido economico domina, entao o que voce puder fazer para incentivar dentro e fora do seu alcance, ajuda bastante. O que pode fazer tambem é mandar um email para a equipe do novo governo e mostrar que essas praticas de agricultura sintropica precisam ser avaliadas melhor pelos tomadores de decisao. Aqui no Brasil todos temos medo de plantar arvores nativas, pois perdemos nosso direito de utilizar a gleba depois para fins lucrativos. É a dificuldade que estou enfrentando pelo menos. Ninguem deixa eu querer plantar arvores nativa no meio da minha produçao, pois é um risco grande de perder a gleba. Eu enviei dois emails em 2018. Um para o presidente eleito e um para a ministra da agricultura escolhida. Ambos os emails eram de deputados federais ano passado. Esse ano ja devem se encontrar em novos emails. Estamos todos no caminho certo, mas sempre tem mais espaco para pessoas como voce que querem ajudar a proliferar essa ideia. Mande emails para eles tambem e peça para eles conhecerem a agricultura sintropica. Faça experiencia propria com alguma área que voce tenha ou saiba de alguem que tenha. Registre os bons resultados. Compartilhe suas dificuldades. Se tudo ocorrer de forma positiva, com o tempo iremos superar as questoes e os desafios que nossa legislacao traz. Irá nos ajudar a incentivar atividades desse tipo por aqui, tanto na questao ambiental por causa das nativas quanto na questao trabalhista por causa das dificuldades burocraticas de contratar prestadores de servico sem violar o estatuto da terra. Quem sabe ate a questao de reforma agraria seria solucionada nos lugares mais remotos e desertos do nosso imenso Brasil. Tudo de bom pra voce! Obrigado pela iniciativa.

  • Estamos a um pequeno passo de dar uma guinada nesse processo de destruição que vem ocorrendo por milênios. Excelente artigo, Felipe. Pretendo esse ano fazer um tour por Universidades brasileiras e divulgar o Life in Syntropy e CEPEAS. Vamos despertar o sentido da maravilha em nossos estudantes, com certeza. Nossos experimentos com grãos estão cada vez mais avançados. Agradecemos você e Dayana por indicarem a Carolina para fazer o doutorado aqui no CEPEAS. Ela tentou em duas Universidades brasileiras, mas não entenderam a importância da agricultura sintrópica para o momento atual. Foi aceita para apresentar o projeto para Universidade de Lancaster da Inglaterra. Grande abraço !
    Fernando

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