Bois e vacas são animais de porte grande. Portanto, segundo as definições da Agricultura Sintrópica, são animais de Sistemas de Abundância. Não por acaso, esse sistema é também chamado por Ernst Götsch de “Sistemas de Escoamento”. Isso porque esse seria o momento em que a estratégia do ecossistema deixa de ser primordialmente a de acumular capital natural (tarefa realizada nos sistemas anteriores), e passa a ser transportar e escoar recursos excedentes. O Fósforo disponível e a relação estreita entre Carbono e Nitrogênio são sinais de que agora o ecossistema já é capaz de dar suporte para animais de porte médio e grande. Nos Sistemas de Abundância, a presença desses animais não só é possível como apropriada. Além de encontrarem as condições ideais para o seu desenvolvimento, eles também participam do manejo do ecossistema por meio de seu metabolismo e de seu comportamento migratório.
No vídeo abaixo Ernst Götsch nos conta do quê os bois e as vacas deveriam se alimentar em um contexto Mediterrânico: folhas de vinha, de freixo e de choupo, além de luzerna (Medicago sativa), trevo subterrâneo (Trifolium subterraneum), Dactylis glomerata, Festuca pratensis, Lolium L, entre outras.
Essa paisagem descrita por Götsch deriva de sua percepção de que o Mediterrâneo é um ecossistema preparado para “ficar verde o ano inteiro”, mesmo com as variações de temperatura e umidade. Porém, o que atualmente nossos olhos testemunham é uma realidade muito longe dessa floresta biodiversa, estratificada e com intensa dinâmica natural visionada por Ernst Götsch. Hoje, ao invés desses grandes ruminantes viverem em Sistemas de Abundância, a maioria das criações de gado bovino se encontra em áreas que estão em condições de Sistemas de Acumulação – passo sucessional em que não há alimentos, nem habitat, nem funções adequadas para esses animais. O resultado é que, diante de pastagens com baixa produtividade, torna-se comum a prática de recorrer cada vez mais à suplementação alimentar por ração ou algum outro insumo externo, o que significa:
- Prejuízo econômico, já que a operação fica mais cara.
- Desvantagem ecológica, pois isso via de regra significa que outro ecossistema está sendo minerado para a produção de grãos e fibras.
- Redução do bem estar animal que deixa de exercer o seu comportamento habitual e saudável de forragear.
Mas então, como recuperar uma floresta mediterrânica abundante? A resposta de Ernst Götsch é categórica: "transforme seu inimigo em seu aliado”.
Naquele caso a proposta foi a de usar justamente o cisto, malquisto por ocupar as pastagens, para ajudar a estabelecer azinheiras, carrascos, oliveiras, medronheiros, figueiras e videiras. A sugestão é específica para o local analisado, mas a lógica por trás da explicação é a mesma de sempre: fazer a leitura sintrópica do ecossistema e potencializar os processos de vida no sentido do aumento da quantidade e da qualidade de vida consolidada. Para nós que acompanhamos o trabalho de Ernst Götsch há anos foi como ouvir uma mesma velha e familiar história, mas agora sendo contada com personagens diferentes. Independentemente das condições de solo, do clima e da vegetação existentes, podemos, como diz Ernst, criar agroecossistemas parecidos aos naturais e originais dos locais, tanto em sua forma, quanto em sua dinâmica e função. Nós também somos animais de porte grande e, portanto, também dependemos de Sistemas de Abundância para sobreviver. Nosso papel, enquanto animais que se auto denominam sapiens sapiens, seria o de entender e potencializar os processos sintrópicos da vida.