Com muita alegria compartilhamos com vocês a notícia de que o projeto de hortas sintrópicas nas escolas, que iniciamos há apenas seis meses, ganhou o concurso de sustentabilidade promovido pela Fundação Galp em Portugal. Graças à Professora Goretti que inscreveu a horta da escola de Santana de Cambas para concorrer ao prêmio, os alunos do 1º ciclo puderam apresentar o projeto diante de uma plateia de 350 pessoas no evento "Energy BootCamp", em Matosinhos. Em um universo de 1437 escolas, foram analisados 150 projetos, dos quais nos destacamos em segundo lugar na categoria "MissãoUP". Assista abaixo ao vídeo usado na apresentação.
O COMEÇO
Quanto mais nós estudamos a história da agricultura, mais se reforça a hipótese de que mudanças substantivas na maneira como produzimos alimentos sempre estiveram e sempre estarão associadas a importantes mudanças sociais.
Foi com essa ideia na cabeça que eu e o Felipe abraçamos de corpo e alma a oportunidade de trabalhar com as crianças de todas as escolas municipais de uma pequena grande vila no interior de Portugal. Pequena porque em número de habitantes somos poucos. Grande por dois motivos: porque o território abrange uma extensa área de terras, mas também porque aqui se encontram pessoas e instituições dispostas a assumir uma importante responsabilidade: a de preparar as crianças de hoje para um futuro ambiental instável.
Em termos de ecossistema e paisagem, essa região se assemelha muito às condições do semiárido brasileiro, de todo o mediterrâneo e de partes da Califórnia, Chile, Austrália e África do Sul. Todas áreas que não precisam de relatórios oficiais ou prospecções climáticas catastróficas para concluir que o deserto já bate à sua porta. Solo e água são limitações concretas e cotidianas e isso coloca a discussão sobre novas formas de fazer agricultura no centro do debate.
MAS QUAL É PLANO? FAZER DE TODAS AS CRIANCAS FUTUROS AGRICULTORES?
Até que esta não seria uma má ideia. Cícero já discursava na Roma antiga que uma sociedade que não dá valor para seus agricultores é uma sociedade fadada ao fracasso. Mas, saber produzir alimentos ao mesmo tempo em que se recupera ecossistemas degradados se refere a muito mais do que o nosso imaginário costuma associar à função de agricultor. A regeneração pelo uso só é possível com conhecimentos ecológicos profundos aliados a técnicas que sejam capazes de sincronizar a produção de alimentos às dinâmicas sucessionais dos ecossistemas. Por meio dos conceitos da agricultura sintrópica conseguimos trabalhar com as crianças competências que extrapolam a habilidade técnica. A horta é um laboratório vivo que estimula a observação autônoma da natureza, na qual as crianças plantam, cuidam, colhem e comem o resultado de seu cultivo. Os alunos não aprendem a fazer uma horta, eles aprendem a enfrentar e, sobretudo, a reverter os impactos ambientais da nossa sociedade. Essa é uma oportunidade de promover uma educação à serviço do desenvolvimento de comunidades humanas sustentáveis.
O QUE JÁ COLHEMOS
Desde que iniciamos esse trabalho, há 6 meses, nossa horta já rendeu muita alface, brócolis, couve, batata, cebola, grãos e diversas hortaliças da temporada. Mas também fizemos outras importantes colheitas:
- Mais de 50 alunos envolvidos que adotaram a horta como seu novo espaço para, ao mesmo tempo, brincar e aprender;
- Foram criados espaços de sociabilidade intergeracional;
- Isso tudo alimenta vínculos e relações de afeto na comunidade e com o território, o que diminui o êxodo dessas regiões;
- As crianças puderam refletir sobre a origem e a sazonalidade dos alimentos e souberam reconhecer a importância de um alimento livre de agroquímicos;
- As arvores plantadas junto com a horta deixam como resultado permanente para a escola novas áreas de sombreamento e drenagem de calor.
Agradecemos às pessoas dentro das instituições que tornaram esse trabalho possível. Somente com parcerias movidas por um bem comum é que se torna viável sonhar e concretizar as mudanças sistêmicas que tanto necessitamos. Agradecemos à Câmara Municipal de Mértola, Agrupamento Escolar de Mértola, Escola Profissional Alsud, Associação Terra Sintrópica, Somincor, e claro, às crianças, familiares e funcionários das escolas que tanto se envolvem com o projeto.
Esse é um exemplo de projeto local, mas os desafios são compartilhados globalmente. Onde há terra degradada há trabalho a ser feito.