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Histórias por trás dos conceitos - PESTES

Na agricultura praticada por Ernst Götsch cova passa a ser NINHO, sementes passam a ser GENES, capina passa a ser COLHEITA, competição dá lugar à COOPERAÇÃO e pragas passam a ser "AGENTES OTIMIZADORES DE PROCESSOS DE VIDA".

Dito dessa forma pode parecer apenas uma chamada provocativa, mas é difícil resistir à curiosidade de colocar esses conceitos à prova, de avaliar até que ponto eles fazem sentido ou não. O peculiar (e já clássico) vocabulário de Ernst Götsch apresenta coerência de forma, função, idéia e comportamento. Vem com a gente conhecer as histórias por trás dos conceitos!

O CASO DA VASSOURA DE BRUXA

O caso da vassoura de bruxa é um exemplo que ajuda a explicar o que está por trás do intrigante conceito de "Agentes de Fiscalização do Departamento de Otimização de Processos de Vida" que é como Ernst Götsch se refere às pragas.

O jovem Ernst Götsch

Para entender como e porquê Ernst Götsch chegou a essa denominação vale a pena recorrer um pouco a sua história pessoal.

Na década de 70, quando Götsch ainda trabalhava com melhoramento genético na Suíça, seu foco de estudo eram as plantas forrageiras e a busca por genótipos que fossem mais resistentes às doenças. Apesar da repercussão e reconhecimento que sua pesquisa vinha conquistando, foi exatamente nessa época que Ernst propôs a si mesmo um questionamento: "Será que não conseguiríamos maior resultado se procurássemos modos de cultivo que proporcionassem condições favoráveis ao bom desenvolvimento das plantas, ao invés de criar genótipos que suportem os maus tratos a que as submetemos?"

Mesmo sob o iminente risco de com isso desautorizar sua própria especialidade, Ernst a partir daquele momento não fez outra coisa senão testar obstinadamente sua hipótese em diversos ambientes e condições: norte da Suíça, sul da Alemanha, Costa Rica, Altiplano Boliviano e nos diversos biomas do Brasil.

"Será que não conseguiríamos maior resultado se procurássemos modos de cultivo que proporcionassem condições favoráveis ao bom desenvolvimento das plantas, ao invés de criar genótipos que suportem os maus tratos a que as submetemos?" Götsch

Plantação de cacau do Ernst na Bahia

A maneira como Ernst Götsch reagiu à crise do cacau, que se iniciou no final da década de 80 e afetou toda a produção do sul da Bahia, ilustra uma boa prova à qual foram submetidas suas ideias.

Nessa época, cerca de 600 mil hectares de cultura de cacau foram afetadas pela vassoura-de-bruxa (C. perniciosa). A região, que até então era reconhecida por fornecer o "Cacau Tipo 1" ou "Cacau Bahia Superior", viu sua participação no mercado internacional cair dos 14.8% para os atuais 4%, segundo os dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (*1).

Essa história tem contornos trágicos e até hoje buscam-se responsáveis pela introdução aparentemente deliberada da doença (*2).

 TENTATIVAS DE COMBATER A VASSOURA DE BRUXA

À parte as polêmicas, o que de fato aconteceu foi que, seguindo as orientações da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, a Ceplac, os produtores de cacau da região passaram por várias etapas de tentativa de combate à doença, as quais incluíram: aplicação do pesticidas e herbicidas, interdição de áreas, poda drástica, rebaixamento de copa, além de técnicas de clonagem.

Nenhuma dessas ações obteve resultados significativos no controle da doença. O único efeito realmente expressivo foi o desmatamento de grandes porções de Mata Atlântica visto que, àquela época, 70% do cacau da região era produzido no Sistema Cabruca, ou seja, basicamente tendo o cacau sombreado por espécies nativas. Dessa forma, as tentativas de erradicação da vassoura-de-bruxa foram responsáveis pela derrubada de árvores típicas desse bioma, tais como jacarandá, cedro, jequitibá e ipê, tudo sob os auspícios de expressas recomendações técnicas que, no fim, provaram-se ineficientes (*3).

Nessa mesma época e nesse mesmo local estava Ernst Götsch também cultivando cacau. Mas, a narrativa que ele nos conta sobre a mesma vassoura-de-bruxa é desconcertantemente diferente.

Ernst Götch - Bahia

Cacau e vassoura-de-bruxa coevoluíram, precisamos considerar isso - E. Götsch

Como seu pensamento nunca esteve atado a nenhum pacote tecnológico, Ernst teve a possibilidade de se permitir observar a interação entre o fungo e a planta, procurando entender sua lógica e sua dinâmica. Sempre que se vê diante de uma doença ou ataque de pragas, ao invés de combatê-las com fungidas ou pesticidas, Ernst procura avaliar se, por trás daquele acontecimento, não há algum motivo benéfico para o sistema como um todo. 

Foi com essa disposição que ele observou a vassoura-de-bruxa em suas plantações, além de levar em consideração que o cacau e a vassoura-de-bruxa coevoluiram na história, não precisando, portanto, serem necessariamente excludentes.

Através dessa nova lente, no lugar em que todos viam o ataque de uma praga Ernst se permitia ver um aviso da necessidade de manejo. As podas conduzidas por ele a partir da observação da ação da vassoura-de-bruxa melhoraram a resiliência das plantas e garantiram sua produção, prescindindo de qualquer defensivo agrícola, seja ele químico ou orgânico. Ressalte-se que o não uso de defensivos não ocorre por impulso dogmático, mas sim pela simples busca por soluções que sejam mais eficientes e que gerem melhores resultados.

Visto dessa forma, as pragas passam a ter uma função que contribui para a melhoria das condições gerais do ambiente. Então, já não faz mais sentido chamá-las de pragas, mas sim de "Agentes de Fiscalização dos Processos Otimizadores de Vida".

Flor de cacau na fazenda do Ernst
Plantação de cacau do Ernst na Bahia

Para Götsch, a poda orientada pelos "agentes de fiscalização" promoveram a "otimização dos processos de vida" e com isso "sua função deixa de ser necessária, então os agentes se retiram". De fato, as podas assim empregadas operam - entre outros efeitos - no sentido do rejuvenescimento das plantações e com isso interrompem o ciclo de vida do fungo, ou seja, "ele se retira".

O exemplo do cacau e da vassoura-de-bruxa é apenas um dentre muitos que ilustram e ratificam esse conceito. A mesma lógica pode ser aplicada na relação do grilo com o feijão, do javali com o milho, da formiga cortadeira com a mandioca, do vento com a pupunha, etc - todas histórias de experiências reais em campo. Tudo isso consuma uma percepção que é compartilhada por cientistas que chegaram, inclusive, a termos muito semelhantes ao de Götsch. O naturista austríaco Viktor Schauberger, por exemplo, no início do século XX já chamava os parasitas de algo como a “polícia sanitária da natureza” (*4). Na década de 40, o pioneiro da agricultura orgânica Albert Howard também de referiu às pragas e doenças como “agentes de fiscalização”(*5). A Teoria da Trofobiose de Chaboussou lançou as bases, na década de 70, para o entendimento de que a planta só é atacada quando está em desequilíbrio nutricional.

A parte toda a fundamentação científica que sustenta essa visão, não deixamos de apreciar o potencial de desautomatização da percepção que esses deslocamentos de raciocínio podem promover. Tal como uma poesia, desestabilizam conceitos pré-estabelecidos, inspiram a reflexão e, nesse caso, questionam nosso papel dentro do ambiente em que vivemos e nos fazem suspeitar que outras saídas são possíveis.

Plantação de cacau do Ernst na Bahia

Tradução para o inglês: Michael Grueter

Referências

*1 (TAFANI, 2012) - . Cacau Informações de mercado - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira - 15/06/2012, Ano III nº15 - Brasília, 2012.

*2 "Na Bahia, há evidências consideráveis de que a doença não foi somente introduzida mas também se espalhou através da ação humana, depois que as infecções inicias se estabeleceram. Contudo, a ocorrência de dois focos distintos da doenca, em Uruçaca e Camacan, sugere que houve mais do que uma introdução de material infectado. O patógeno foi trazido direto para o centro da região cacaueira." in "Doença vassoura-de-bruxa na Bahia: tentativas de erradicação e contenção" - Autores J.L.Pereira, L.C. de Aldeida e S.M.Santos - Centro de Pesquisas do Cacau, Ceplac, Bahia-Brasil,1996.

*3 "A utilização da poda no sentido de reduzir a disponibilidade da fonte do inócuo na árvore visando manter a doença num nível menos comprometedor deve ser considerada como uma técnica agronomicamente impraticável, onerosa e ineficiente" - Documento editado e publicado em 1990 pela Ceplac, entitulado "Avaliação sobre o desenvolvimento das atividades de controle da vassoura-de-bruxa na Bahia".

*4 “‘Natures’ Health Police’ whose job it is to remove all genetically degenerate organisms in order to safeguard the future.” COATS, Callum. “Living Energies”. Dublin: Gill&Macmillan, 2001. p. 228.

*5 Albert Howard 1940, p.161. “An agricultural Testament”

Dayana Andrade

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