Um conceito ecológico sob a interpretação de Ernst Götsch
A sucessão natural é um conceito normalmente associado à ecologia e ainda recebe pouca atenção por parte da agricultura. Embora exista um consenso de que a prática agrícola é uma forma de ecologia aplicada, o arcabouço conceitual que orienta as pesquisas agronômicas ainda é majoritariamente regido pela lógica das monoculturas, muito distante dos processos naturais de um ecossistema.
Após distúrbios – como por exemplo a abertura de uma clareira - os ecossistemas restauram sua funcionalidade e fertilidade por meio de processos sucessionais conduzidos por um número muito grande de espécies. Mas, nos campos de cultivo de espécies anuais e bianuais, como milho, soja e também na produção de hortaliças, a situação é a de distúrbios constantes com intervenções físicas ou químicas e o frequente retrabalho do solo. Mesmo quando não há a perturbação do solo, como no caso dos sistemas de plantio direto (VEJA BOX), ainda assim o curso da sucessão vegetativa é interrompido pela repetição daquela cultura anual, que condena o ecossistema a permanecer em um estágio inicial de sucessão secundária.
Essa prática se apoia no uso de um recurso acumulado na forma de capital natural que vai invariavelmente diminuindo a cada repetição do plantio – prova disso é a constante necessidade de aumento do aporte de insumos externos. A interpretação proposta por Ernst Götsch é a de que as repetidas interrupções da sucessão natural são a principal causa da degradação de ecossistemas.
De fato, antes do surgimento da agricultura, nenhuma ação antrópica havia induzido tamanhas modificações ambientais. Nos primeiros séculos de prática da agricultura, o tempo de pousio (quando se deixa a terra sem cultivo para “descansar”) chegava a 50 anos, mas esse intervalo foi diminuindo na medida em que população crescia até que a predominância dos cultivos anuais e bianuais acelerou a degradação dos solos em escala mundial. De forma geral, os ambientes naturais antes da intervenção dos seres humanos, não precisavam lidar com perdas de vegetação frequentes, estejam elas associadas a distúrbios no solo ou não (VEJA BOX NO FINAL).
A sucessão natural das espécies é o meio que a vida usa para se mover no tempo e no espaço" - E. Götsch
Exemplo de sucessão natural na agricultura: na foto acima, as berinjelas dominam o ambiente. Pouco tempo antes, na mesma área, o milho )já colhido) era a espécie dominante. Debaixo das berinjelas (foto abaixo), vemos as plantas dos estágios seguintes da sucessão: mandioca, banana e eucalipto. O consórcio foi plantado a partir de sementes, mudas ou estacas, e inclui cítricos, mogno, manga, abacate, açaí, cacau, etc. Cada espécie de cada consórcio irá ocupar deteminado espaço em determinado tempo ao longo da sucessão, em um constante aumento de recursos para o ecossistema.
A sucessão natural, para Ernst Götsch, expõe os mecanismos do comportamento coletivo da vida cujas dinâmicas induzem transformações e adaptações para aumentar cada vez mais sua capacidade de filtrar, digerir e incorporar matéria e energia do sol em seus sistemas, por meio de um processo contínuo que obedece a ciclos de crescimento e renovação.
Na medida em que evoluem, se diferenciam, se adaptam e incorporam as informações do ciclo anterior. Dada a inevitabilidade dessa tendência, Ernst Götsch entende que sucessão natural é um conhecimento chave para a agricultura. É a partir dela que o ser humano poderia recriar e manter seu habitat de modo consonante à tendência natural do planeta.
As inovações agrícolas buscam, primordialmente, aumentar a eficiência dos processos entrópicos de desassimilação e simplificação (expiração), e pouco estudaram o que acontecia nas áreas em pousio (inspiração), onde a atividade de cada geração de plantas, animais e microrganismos entrega um ambiente mais complexo para a geração seguinte, “aumentando os recursos em todas as fronteiras, na sintropia” - Ernst Götsch.
Portanto, a repetição de cultivos de ciclos curtos ou plantios monodominantes perenes conduzem o ecossistema a processos degradativos e entrópicos, a despeito de sua prática de manejo, já que é impedido de cumprir os ciclos necessários que resultam na complexidade inerente ao processo sucessional.
Isso favorece não apenas a erosão do solo, como também a desestruturação por compactação, mineralização da matéria orgânica humificada, perda de diversidade de plantas, artrópodes e mamíferos.
Em efeito dominó, a perda de biodiversidade associada aos impactos físicos ameaça a provisão de serviços ecossistêmicos e compromete funções vitais como polinização, controle biológico e reabastecimento de lençóis freáticos.
As classificações da Agricultura Sintrópica de Sistemas de Colonização, Acumulação e Abundância mantêm relações diretas com a maneira como Ernst Götsch distingue os momentos do percurso sucessional.
Tais sistemas se distinguem principalmente com relação às formas de vida presentes em cada um deles, os processos predominantes em cada caso e a quantidade e distribuição de alguns macronutrientes como carbono, nitrogênio e fósforo.
Mas isso é assunto para um próximo texto!
O que é o Plantio Direto?
A aração e a gradagem são etapas típicas do preparo de uma área, que consistem em cortar e revirar o solo com o objetivo principal de arejar e afofar a terra. Porém, os prejuízos associados a essa prática são muitos: erosão, perda de matéria orgânica, compactação de camadas mais profundas do solo (pé de grade), morte da micro e meso fauna do solo, degradação dos agregados do solo, etc. O plantio direto é uma técnica de cultivo que procura evitar esses impactos por meio da supressão da etapa da preparação da área de cultivo. Dessa forma é feita uma semeadura diretamente em sulcos sobre os restos vegetais da cultura anterior. Os benefícios seriam, primordialmente, a diminuição dos efeitos da erosão, o aumento da capacidade de retenção de água, menor compactação, além da diminuição dos custos com a redução de uma operação dependente de combustível fóssil. Por outro lado, a aragem e a gradagem, além dos objetivos já mencionados, também cumprem o papel de combater mecanicamente as ervas espontâneas. Suprimindo essa etapa, perde-se também esse suposto benefício. Por conta disso, o plantio direto encontra opositores que argumentam que esse sistema funcionaria apenas como uma salvaguarda para o amplo uso de herbicidas e de sementes geneticamente modificadas. Contribui para o acirramento da discussão – tanto para um lado quanto para o outro - o fato de haver um grande espectro de modelos de plantio direto que vão desde o zero distúrbio, passando pelo distúrbio mínimo, chegando até ao pouco claro conceito de “adequado distúrbio”. De qualquer forma, essa disputa não encontra ressonância dentro da perspectiva da agricultura sintrópica pois nela o preparo do solo só acontece uma única vez e, como o plantio é orientado pela sucessão natural, o sistema nunca vai voltar para a condição anterior ao primeiro plantio, prescindindo, dessa forma de novos distúrbios.