Quem quer colocar em prática uma agricultura verdadeiramente sustentável e regenerativa se depara com desafios tecnológicos fundamentais: faltam máquinas! Não poderia ser diferente: o desenvolvimento tecnológico não é neutro, mas sim é fruto dos paradigmas que hoje vivemos. E, se estamos propondo outra lógica para nossas práticas agrícolas, precisamos também de uma tecnologia disruptiva que acompanhe essa mudança.
O objetivo desse texto é expor esses desafios tecnológicos de modo que o tema chegue aos ouvidos e às mentes daquelas pessoas com espírito inovador o suficiente para querer fazer parte dessa história e que são capazes de propor novas soluções.
A agricultura precisa mudar. Já temos estudos científicos o suficiente para sustentar a urgência dessa mudança. Pois, se continuarmos do jeito que está, teremos que nos assumir como assassinos das futuras gerações, incapazes de respeitar o princípio básico da responsabilidade intergeracional. A gravidade desse cenário deveria exigir um esforço conjunto e ação imediata. Mas, ao invés disso, seguimos apertando o gatilho.
Os Estados Unidos gastam nove calorias para produzir uma. No Brasil, a relação é de três para uma. Os monocultivos consomem 70% da água doce do mundo. Perde-se, por erosão, 75 bilhões de toneladas de solo por ano em função de atividades agrícolas e sua tecnologia destrutiva. A comovente desculpa de alimentar os famintos é um escudo covarde que justifica toda a lógica falaciosa do agronegócio que, por fim, é uma das atividades que mais concentra renda no planeta.
As monoculturas consomem 70% da água doce do mundo
Boas safras não significam que somos bons agricultores. O bom agricultor deveria ser o bom gestor de recursos.No entanto, somos ótimos em criar produtos para torturar e matar todas as formas de vida (herbicidas, fungicidas, acaricidas, bactericidas, inseticidas, etc). Nossa boa safra é uma ilusão momentânea, um traço doentio que atravessa todos os 10 mil anos da agricultura, e que insiste em subjugar o meio ambiente. E, assim, o homem agricultor se tornou um especialista em pilhagem, cada vez com maior eficiência, sem que haja ninguém que nos faça parar, a não ser quando se exaurem os próprios objetos de nossa ganância. O comportamento das sociedades agrícolas foi e é absolutamente contrário ao funcionamento da vida neste planeta, o que, direta ou indiretamente, levou cada uma delas à extinção – mesmo caminho que estamos seguindo. Este panorama evidencia que, embora o modelo de produção atual acumule vitórias em produtividade, as implicações ambientais, climáticas e sociais que estão associadas ao seu paradigma impõem, por ora, barreiras instransponíveis à sua própria continuidade.
Virando a chave: a reconciliação entre agricultura e meio ambiente
Após décadas de pesquisas, Ernst Götsch constituiu o que hoje conhecemos como Agricultura Sintrópica. A constatação de sua eficiência agronômica associada aos benefícios ambientais na escala de pequenas e médias propriedades rurais trouxe perspectivas promissoras para uma reconciliação entre a agricultura e o meio ambiente. Ainda restava a superação dos gargalos para a adaptação do modelo à grande escala. Primeiro em Nova Xavantina com José Cristóvão, depois com Pedro Paulo Diniz, na Fazenda da Toca, hoje já são cerca de 10 anos que Ernst acumula de experiências no desenvolvimento de tecnologias capazes de manejar com o mínimo de impacto sistemas biodiversos para grandes áreas. Na contramão da tendência por máquinas cada vez maiores e mais possantes, Ernst propõe um conjunto de implementos leves e simples, e que funcionem em favor da vida, ao invés de combatê-la.Na Fazenda da Toca, ele já havia modificado alguns implementos, como a inclusão de hastes de subsolagem no mesmo eixo de uma enxada rotativa - o que trouxe mais eficiência e economia para a operação de encanteiramento - e também uma plataforma para fazer poda de árvores.
Em 2016, com recursos próprios, Ernst inicia a construção de uma ceifadeira com enleirador integrados que, em apenas uma operação, corta e organiza o capim nas linhas das árvores. Todas as operações listadas acima visam o aumento de produção de biomassa pelo próprio sistema, assim como sua poda e organização. Dessa forma, abre-se um novo campo para a inovação em sustentabilidade. Ao invés de contornar ou eliminar a complexidade inerente dos sistemas vivos, esses (e futuros) implementos incorporam a lógica das dinâmicas naturais. Para isso, não poderíamos estar em momento mais oportuno, pois (1) temos os maiores estoques de alimentos da história, (2) uma quantidade inquestionável de estudos comprovando a insustentabilidade do modelo atual e (3) tecnologia existente para essa mudança (drones para podas, laser, materiais superleves, motores elétricos, etc). Quando somados, esses fatores criam um cenário propício à inovação, considerando que os modelos de produção e distribuição mundial de alimentos deverão responder aos anseios ambientais e sociais.
"Não combatemos mato, nós plantamos mato" - E. Götsch
Manuscritos originais
Os manuscritos que Ernst nos enviou para explicar resumidamente sua lista de desejos tecnológicos escondem um aspecto pouco evidente e que é o grande tesouro dessa mudança: o que temos diante de nós são novos problemas e novas perguntas. O enfrentamento desses desafios nos fará olhar a agricultura e os sistemas vivos de forma diferente. Os processos que essas máquinas se propõem a facilitar possibilitarão o fim do uso de agroquímicos. Pela primeira vez, vislumbramos um futuro sem herbicidas pelo simples desaparecimento dos motivos que nos levaram a usá-los. Essa revolução tecnológica nos fará ver que tampouco adianta investir em leis e fiscalizações para controlar o uso de venenos e poluentes (convencionais ou orgânicos). Precisamos tornar os agroquímicos obsoletos, tal como já acontece nas áreas de agricultura sintrópica.
Tradução para o inglês: Michael Grueter
Referências
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