Imagine os possíveis desdobramentos de um diálogo entre essas pensadores e realizadores da atualidade que, cada qual em sua área, propõem e demonstram que novos olhares são possíveis e capazes de transformar nossa percepção sobre a relação homem-natureza.
Humberto Maturana e Ximena Dávila estariam em São Paulo e, interessados pela agricultura sintrópica, nos convidaram para uma primeira conversa. Eu e Fernando Rebelo, aproveitamos essa oportunidade incrível para conhecê-los de perto e poder ouvir sobre suas impressões a respeito dos pontos de integração entre suas inovadoras teorias e a cosmovisão da agricultura sintrópica.
Logo depois, em parceria com uma equipe da escola Matríztica, propusemos o mesmo para Ernst Götsch em conversa gravada em Goiás no começo desse ano.
O resultado desse diálogo é o que queremos compartilhar aqui com vocês.
COOPERAÇÃO, MUDANÇA DE OLHAR, AGRICULTURA e VIDA são algumas das reflexões que nos sugerem que essa troca ainda pode render bons frutos!
Maturana é um renomado biólogo e filósofo do chileno, conhecido principalmente pela teoria da autopoiese, trata também de conceitos como determinismo estrutural e acoplamento estrutural, transformação cultural, bem-estar, biologia da cognição, linguagem, cultura e sua interferência no meio ambiente. Ximena Davila desenvolveu uma visão que integra a “biologia do conhecimento” e a “biologia do amor” como a base do que chamou “Matriz Biológica da Existência Humana”. Em estreita colaboração com Maturana, co-fundaram há mais de 20 anos a escola Matriztica em Santiago do Chile que é definida como “um Laboratório Humano cujo foco é acompanhar pessoas em comunidades e organizações humanas em seus processos de transformação e integração cultural”.
Humberto Maturana – Parte 1
HUMBERTO MATURANA: “Os organismos deslizam e se conservam no processo de viver, mas não competem, esse é o ponto central. Então, se sei como eles se relacionam normalmente, suponhamos a floresta, então eu posso reproduzir elementos daquela coerência, de modo que vivam entre eles harmonicamente. Aí posso colocar as plantas que quero que participem desse mesmo processo. Mas tenho que sair do tema da competição, pois ele é negador. A noção de deriva natural diz que a história dos seres vivos é a história da conservação da adaptação, não de adaptar-se a, porque ocorre no presente em mudança contínua. Então, a competição tem a ver com uma relação de negação do outro e os organismos não fazem isso, eles deslizam entre eles. O que tenho que ver é como essa harmonia tem se estabelecido ao longo da história da biosfera e imitá-la em ação, se quero ser agricultor. (...) Mas tenho que ver que não há um problema de competição, há um problema de coerência na convivência em que cada organismo realiza o seu nicho. A história dos seres vivos não é de competição, mas sim de transformação coerente com a conservação do viver. Conservação da adaptação, não o adaptar-se a.”
Humberto Maturana – Parte 2
XIMENA DÁVILA: "“Isso é o que nós fazemos no espaço humano também. Não temos nenhum antagonismo com o Sr. Darwin mas, com a seleção natural criou-se um substrato epistemológico de competição muito potente. Isso foi levado a todos os estratos do viver, dos seres vivos, desde a medicina. Pense sobre tudo o que é feito na medicina, tudo o que é feito na ciência em geral que te a ver com esse substrato de competição. Mas, se você observa, como Ernst, como surge o que surge, vê que não competem. Eu sempre dou esse exemplo rústico que agora, com vocês, isso me faz mais sentido. Sempre digo que uma flor não diz ‘eu sou mais bela que você’. Não há competição, elas surgem, vêm, surgem assim."
"Temos que ensinar que nosso trabalho de fundo é o de COMO OLHAR. Se olha pela competição surge um mundo diferente ao que se olha de maneira SISTÊMICA, em COERÊNCIA dentro da unidade ecológica organismo-nicho que conhecemos"
Ximena Dávila – Parte 1
XIMENA DÁVILA: "Escutando o que Humberto disse e vendo o que vocês fazem, vemos que o problema não está na natureza. O problema está nos humanos, está em nós. Na Matriztica, que co-fundei com Humberto há mais de 20 anos, o que fazemos é regenerar almas, para que as pessoas possam se conectar com a natureza de uma maneira diferente e também umas com as outras. Vejo que o problema mais difícil que Ernst tem não é ensinar, mas sim como conservar esse modo de viverque não é somente como se planta, está além.”
Ximena Dávila – Parte 2
Ernst Gösch
ERNST GOTSCH: “Na realidade nós somos parte de um sistema inteligente e esse sistema inteligente é um macroorganismo. O macroorganismo só pode funcionar condicionado que as relações inter e intra específicas ou inter e intracelulares sejam baseadas no amor incondicional e na cooperação e não na concorrência e na competição fria. Isso não funciona. Aplicando esse princípio (da competição), isso leva para a extinção de tudo o que é vida, ou seja, leva para a morte, porque todos os seres submetidos ao princípio da concorrência e competição fria se recusam. Não importa se é ser humano, planta ou animal, todos eles se recusam. E o ato de se recusar resulta em escassez. Escassez resulta em conflitos que geram guerras. O resultado da guerra é falência e a consequência é a morte. Enquanto que a aplicação dos princípios do amor incondicional e da cooperação faz com que os submetidos a esses princípios se desenvolvam, produzam, movidos pelo prazer interno. Então isso resulta em abundância, ou seja, abundância para todos. Abundância, por sua vez, gera paz. E a paz gera vida. Ou seja, são dois caminhos. Um para a morte e outro para a vida."
Nossos agradecimentos a Sebastián, Gabriela e Francisco por nos ajudarem a realizar este e futuros encontros.