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AGRICULTURA SINTRÓPICA EM LARGA ESCALA, RESULTADOS E DESAFIOS

Autores: osé Fernando dos Santos Rebello (1), Daniela Ghiringhelo Sakamoto (2)

Revisão linguística: Dayana Andrade e Maria Teresa Mhereb

Tradução para inglês: Maria Teresa Mhereb e Ana Luísa Mhereb

(1) Biólogo e Engenheiro Agrônomo. Analista Ambiental do Parque Nacional Chapada dos Veadeiros – ICMBio e fundador do CEPEAS. (2) Engenheira Agrônoma e Pedagoga. Fundadora do CEPEAS

O Centro de Pesquisa em Agricultura Sintrópica (CEPEAS) vem realizando, desde maio de 2018, sob a orientação de Ernst Götsch, diversos experimentos buscando encontrar o melhor espaçamento e a melhor combinação de plantas cultivadas, especialmente grãos, com linhas de árvores e diversas variedades de capins e outras plantas de cobertura. Esses experimentos buscam simular como será a agricultura sintrópica em larga escala para o cultivo de grãos. Ainda não dispomos das máquinas idealizadas pelo pesquisador Ernst Götsch; por isso, todas as operações foram executadas com microtrator ou manualmente. Todos os experimentos foram realizados sem o uso de qualquer agroquímico (zero agrotóxicos, zero herbicidas e zero adubos químicos). Os solos em que foram realizados os experimentos fazem parte da formação Bambuí, caracterizada por solos muito velhos, com 2 bilhões de anos de idade e poucos nutrientes biodisponíveis, tendo como rocha de origem principalmente quartzitos.

EXPERIMENTO I

Experimento com trigo (Triticum sativum L.) e capim mombaça (Panicum maximum)

O trigo é originário da antiga Mesopotâmia, mais especificamente da região da Síria, Jordânia, Turquia e Iraque, segundo artigos de arqueologia. O homem cultiva o trigo há pelo menos 6.000 anos, quando, para triturar o grão e tirar a farinha, ainda usava pedras rústicas. Tradicionalmente, o trigo é cultivado com um espaçamento que varia de 17 cm a 20 cm, com setenta a cem sementes por metro linear. O experimento buscou cultivar o trigo juntamente com entrelinhas de capim, tendo, a cada 6 m, linhas de árvores. Com esse sistema, evita-se arar o solo, diminuindo erosão, compactação, perda de água, perda da matéria orgânica e morte da microvida do solo, além de dispensar o uso de herbicidas, pois o capim cumpre o papel de manter o solo coberto, evitando o aparecimento de outras ervas. Os implementos que estão sendo desenvolvidos por Ernst Götsch são leves, mobilizam muito pouco o solo, expondo uma mínima fração dele, e, com isso, evitam o despertar das sementes de ervas invasoras do banco de sementes. Dessa forma, privilegiamos nossa semente de trigo, a qual encontra um solo fofo e descompactado, com cobertura morta, umidade e uma microflora e microfauna diversa e ativa, graças ao carbono e à rizosfera abundantes, o que cria condições ideais para sua germinação e desenvolvimento.

A área do experimento foi calcareada (800 kg/ha) e gradeada com microtrator. Em nosso primeiro plantio, dobramos o espaçamento para 40 cm entre linhas de trigo e dobramos o número de sementes, colocando 140 sementes por metro linear. Nas entrelinhas, semeamos capim mombaça (Panicum maximum). A adubação foi realizada com pó de rocha, termofosfato e cama de frango.

Em nossa região (nordeste do Estado de Goiás, no Planalto Central do Brasil), o trigo é plantado entre os meses de março e abril, depois da colheita da soja ou do milho. Assim, é possível cultivá-lo sem irrigação, dependendo do terreno. Como o experimento foi implantado no final de maio de 2018, foi necessário irrigá-lo, pois a estação seca geralmente começa em abril/maio. As chuvas, que diminuem nessa época do ano, cessam completamente em junho e voltam somente em outubro ou novembro, podendo ocorrer uma pequena chuva no final de agosto, conhecida como “a chuva do caju”. Devido ao fotoperíodo curto e às temperaturas amenas, não foi necessário ceifar o capim em nenhum momento. Este cresceu lentamente durante o ciclo do trigo, o que indica grandes possibilidades para países temperados que tradicionalmente plantam trigo.

A colheita ocorreu em setembro, com o solo coberto todo o tempo pelas plantas de trigo e pelo capim nas entrelinhas. O rendimento foi em torno de duas toneladas por hectare. Porém, é importante frisar que o rendimento poderia ter sido maior se a irrigação tivesse sido cortada durante o florescimento, pois isso aumenta a fecundação das flores. Um dos motivos para uma produção inferior à média nacional (que é de 2.8 ton/ha, quando o trigo é plantado em monocultura) pode ter sido uma adubação deficiente, o que buscamos corrigir nos cultivos subsequentes.

As faixas de cultivo de grãos propostas por Ernst Götsch variam entre 4 m a 6 m, e, no entorno delas, são plantadas árvores nativas, frutíferas, madeiráveis nativas e exóticas. Com a poda e a trituração anual das árvores nativas, madeiráveis e banana (mantendo as árvores sempre com 5 m de altura), é possível continuar o cultivo de grãos indefinidamente nos corredores das árvores, criando um ciclo de reforço positivo para a fertilidade do solo e para o crescimento dos grãos, capim, frutíferas e madeiráveis, gerando, após quinze anos, a colheita do eucalipto e, após 25 a 30 anos, a colheita das árvores nobres, sendo possível, durante todo esse tempo, o cultivo de grãos e florestas, o que indica o enorme potencial da agricultura sintrópica para produzir grãos e recuperar nossas florestas. A longo prazo, o plantio de florestas, segundo os cálculos do pesquisador Ernst Götsch, pode ser oito vezes mais rentável que o de grãos em monocultura, sem ainda colocar nessa conta todos os benefícios ecossistêmicos gerados para o planeta e seus habitantes, tais como: ausência de substâncias tóxicas pulverizadas sobre os cultivos, sem contaminação, portanto, do ar, do solo e das águas; aumento da fertilidade do solo; produção de alimentos com alto valor biológico (altíssima vitalidade); recuperação de nascentes e produção de água. Se transformarmos isso em um valor monetário, a agricultura sintrópica pode ser dezenas de vezes mais rentável que a agricultura convencional, pois caminhamos no fluxo da vida para fazê-la prosperar.

Foto1: Início do plantio com a germinação do trigo e, nas entrelinhas, capim mombaça.
Foto 2: Florescimento do trigo e lento desenvolvimento do capim nas entrelinhas, não havendo necessidade de o ceifar.
Foto 3: Trigo maduro, no ponto de colheita.
Foto 4: Aspecto do campo após a colheita do trigo, realizada em setembro, no pico da estação seca.

EXPERIMENTO II

Milho (Zea mays L.) plantado em área já estabelecida com capim mombaça (Panicum maximum).

O milho é um conhecido cereal cultivado em grande parte do mundo, extensivamente utilizado como alimento humano ou para ração animal devido às suas qualidades nutricionais. Todas as evidências científicas levam a crer que seja uma planta de origem mexicana, já que sua domesticação começou entre 7.500 a 12.000 anos atrás, na área central do México. O milho é a gramínea mais sensível à variação na densidade de plantas. Para cada sistema de produção, existe uma população que maximiza o rendimento de grãos. A população ideal para maximizar o rendimento de grãos de milho varia de 30.000 a 90.000 plantas por hectare, dependendo da disponibilidade hídrica, da fertilidade do solo, do ciclo da cultivar, da época de semeadura e do espaçamento entre as linhas. Nesse experimento, foi semeada uma variedade de milho crioulo do Rio Grande do Sul.

A área de testes localiza-se próxima à divisa do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no nordeste do Estado de Goiás. O plantio ocorreu em área onde, cinco meses antes, havia sido plantado trigo com capim mombaça. Dessa forma, o milho foi semeado alternadamente com as linhas do trigo. Como o espaçamento do trigo foi de 40 cm, o milho foi semeado a cada 80 cm, uma semente a cada 20 cm.

Nesse experimento, o milho desenvolveu-se muito bem. Porém, como a área de experimento foi pequena e houve grande predação de espigas por aves nativas, não foi possível calcular o rendimento.

Foto 5: Corte do capim para o plantio das linhas de milho.
Foto 6: Aspecto do plantio antes de ceifado o capim.
Foto 7: Aspecto do plantio depois de ceifado o capim.

EXPERIMENTO III

Milho semeado junto ao capim mombaça e linhas de árvores.

Foi semeada uma variedade de milho crioulo cultivada na Chapada dos Veadeiros por mais de 100 anos. Essa variedade apresenta um excelente empalhamento, talvez devido à seleção realizada pelos próprios agricultores em virtude da grande quantidade de aves silvestres que, nessa região, rasgam as espigas para comer os grãos. O milho foi semeado ao mesmo tempo em que o capim mombaça (Panicum maximum). Nesse caso, o capim foi ceifado somente duas vezes, conforme mostra a Tabela 2 (abaixo).

No ano seguinte, o milho será plantado novamente nessa área, com o capim já estabelecido, o qual será ceifado no momento do plantio do milho e também oito dias depois, pois rebrota com bastante vigor. Assim, provavelmente teremos o corte do capim mais duas vezes, evitando, que o capim ultrapasse e abafe o milho, visto que este é uma espécie emergente.

Caso o agricultor opte por fazer silagem de milho, podem ser feitas apenas duas ceifas do capim, para então colher o milho juntamente com o capim já crescido. Nesse experimento, obteve-se uma produtividade para o milho de 6800 kg/ha.

Preparo do terreno

Aproveitou-se uma linha de eucalipto com um ano e meio de idade. Foram levantadas as saias de vários eucaliptos e aqueles com altura superior a 4 m tiveram sua guia podada, sendo deixados alguns ramos próximos ao corte para estimular e acelerar a brotação. Entre os eucaliptos foram semeadas árvores nativas, tais como jequitibá (Cariniana legalis), ingá de conta (Inga sp), peroba poca (Aspidosperma cylindrocarpon) e banana prata (Musa acuminata).

Foto 8: Preparo da área para plantio do milho com mombaça (28 de setembro).
Foto 9: emergência do milho (7 de outubro).
Foto 10: Aspecto do plantio antes da primeira ceifa do capim mombaça (29 de outubro).
Foto 11: Aspecto do plantio após a primeira ceifa do capim mombaça (2 de novembro).
Foto 12: Após o primeiro corte do capim, o milho dobrou de tamanho em uma semana (11 de novembro).
Foto 13: Aspecto da entrelinha 29 dias após o primeiro corte do capim (01 de dezembro).
Foto 14: Aspecto do capim 5 dias após o segundo corte (7 de dezembro).
Foto 15: Aspecto do plantio pouco antes do florescimento do milho.
Foto 16: Milho crioulo chegando ao ponto de milho verde.

EXPERIMENTO IV

Soja com capim tanzânia (Panicum maximum)

A soja (Glycine max L.), também conhecida como feijão-soja ou feijão-chinês, é uma planta pertencente à família Fabaceae, família esta que compreende também plantas como o feijão, a lentilha e a ervilha. É empregada na alimentação humana (sob a forma de óleo de soja, tofu, molho de soja, missô, leite de soja, proteína de soja, soja em grão, etc.) e animal (no preparo de rações). A planta é originária da China e do Japão.

Nesse experimento, foi utilizada uma variedade de soja não transgênica, de nome “sambaíba”, cedida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) do Estado do Maranhão. A soja foi semeada no espaçamento de 1 m x 10 cm. As entrelinhas foram semeadas com quatro linhas de capim tanzânia. Durante o ciclo da soja, o capim foi ceifado cinco vezes (ver Figura 2). A área foi calcareada e, no momento do plantio, foram utilizados cama de frango e termofosfato. Durante o ciclo da soja foram feitas duas coberturas: a primeira com cama de frango e a segunda com torta de mamona – em virtude de a soja não ter sido inoculada no plantio e apresentar-se amarelada. Após 70 dias, foram realizadas duas pulverizações de inoculante (“Rhizobium”) com bomba costal, buscando estimular a nodulação das raízes, em uma tentativa de compensar a não inoculação das sementes na hora do plantio. Após trinta dias, foram desenterradas várias raízes para avaliar a nodulação considerada positiva, conforme ilustrado na Foto 23. Não foi realizada qualquer pulverização de herbicidas ou outros agrotóxicos, seja para combater percevejos, besouros ou fungos, pois os mesmos não atingiram nível de dano.

Em nossa região, a soja plantada em monocultura pode apresentar uma população de plantas que varia de 150 mil a 300 mil plantas por hectare. Quanto menor for este número, mais a planta investe nos ramos secundários que podem também vir a florescer. Quando o número de indivíduos por hectare é maior, a frutificação acaba ocorrendo somente na haste principal. Foi realizado um levantamento em oito fazendas da região da Chapada dos Veadeiros, com monoculturas de soja transgênica. Foi avaliado o número de plantas por hectare, o número de vagens por planta e a produtividade em kg/ha (vide Tabela 5). Os resultados foram comparados com a soja semeada com capim tanzânia, massai e linhas de árvores.

Foto 17: Crescimento da soja com entrelinhas de capim Tanzânia (21 de dezembro de 2018).
Foto 18: Primeiro corte do capim (31 de dezembro de 2018).
Foto 19: Aspecto do plantio oito dias após o primeiro corte (08 de janeiro de 2019).
Foto 20: Aspecto do plantio após o segundo corte do capim (18 de janeiro de 2019).
Foto 21: Aspecto do plantio após o terceiro corte do capim (14 de fevereiro de 2018).
Foto 22: Floração da soja (14 de março de 2019). A soja reage bem após a pulverização de Rhizobium.
Foto 23: Nodulação das raízes por Rhizobium, pulverizado 70 dias após o plantio.
Foto 24: soja no ponto de colheita.

EXPERIMENTO V

Soja com capim massai (Panicum maximum)

Foram semeadas duas variedades de soja não transgênicas, Sambaíba e Tracajá, cedidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) do Estado do Maranhão. A soja foi semeada no espaçamento de 60 cm x 10 cm. As entrelinhas foram semeadas com três linhas de capim massai a cada 15 cm (veja o esquema de plantio na Figura 3). Durante o ciclo da soja, o capim foi ceifado três vezes (Tabela 4). A área foi calcareada e, no momento do plantio, foram utilizados cama de frango e termofosfato. Durante o ciclo da soja, foram feitas duas coberturas: a primeira com cama de frango e a segunda com torta de mamona – em virtude de a soja não ter sido inoculada no plantio. Após 40 dias, foram realizadas duas pulverizações de inoculante (“Rhisobium”) com bomba costal, buscando estimular a nodulação das raízes, em uma tentativa de compensar a não inoculação das sementes no momento do plantio. Não foi realizada qualquer pulverização de herbicidas ou outros agrotóxicos, seja para combater percevejos, besouros ou fungos etc., pois os mesmos não atingiram nível de dano.

Foto 25: Soja com capim massai – 60 cm entre linhas de soja (8 de janeiro).
Foto 26: Soja com capim massai após o primeiro corte do capim (18 de janeiro).
Foto 27: Soja com capim massai após o segundo corte do capim (14 de fevereiro).
Foto 28: Soja fechando as entrelinhas (27 de fevereiro). Devido ao longo tempo submetido ao sombreamento, ocorreu, em várias linhas a morte do capim.
Foto 29: Soja fecha completamente as entrelinhas de massai (12 de março).

CONCLUSÃO:

O plantio do trigo apresentou uma produtividade de 1.965 kg/ha, próxima à produtividade média nacional quando plantado em monocultura (2.800 kg/ha). A Tabela 6 mostra o resultado da análise de solo realizada na área dos experimentos. Essa análise mostra baixos níveis de, praticamente, todos os macro e micronutrientes, indicando apenas 2 ppm de fósforo disponível, sendo este um dos elementos fundamentais para o crescimento das plantas, tanto da parte aérea como das raízes. Foram colocados 30 g/m2 de termofosfato (18% P2O5) na área dos experimentos. Os experimentos foram realizados em pastos em pousio há seis anos, com compactação acentuada do solo e baixa quantidade de matéria orgânica. Em virtude de ausência de maquinário adequado e recursos financeiros, não foi usado subsolador em nenhum experimento, o que seria recomendado.

Como hipóteses para a produtividade inferior à média nacional, podemos citar: o atraso no plantio (realizado no final da janela de plantio), a compactação do solo e a adubação deficiente. Corrigidos esses itens nos próximos experimentos com trigo, acreditamos que a produtividade poderá ser mais alta. Quando plantado em monocultura, a safra do trigo pode chegar a oito toneladas por hectare, conforme mostra o artigo de Juliana Caldas publicado em 2017 no site da EMBRAPA. Porém, é preciso sempre avaliar muito bem as notícias de superprodutividade em monoculturas. O referido artigo traz o depoimento do engenheiro-agrônomo responsável pela área, Claudio Malinski. Em suas palavras: “O custo dele [do plantio do trigo] é um pouco maior, pois necessita de mais insumos, mais investimento, mais irrigação, usa mais defensivos, utiliza adubos foliares e micronutrientes”. Uma agricultura sustentável caminha no sentido contrário: não usa agrotóxicos, usa cada vez menos adubos, cada vez menos irrigação, cada vez menos insumos, apresenta custos baixos e requer investimentos pequenos. Só assim será possível garantirmos um futuro para a humanidade.

Nos experimentos com milho e capim, ainda não detectamos qual seria o número ideal de plantas por hectare. Como tivemos falhas nas linhas de milho, isso pode ter mascarado o comportamento dos capins. Por exemplo: está em andamento um experimento com milho safrinha, com exatamente 50.000 plantas por hectare, onde foram testados vários capins nas entrelinhas. Observou-se que a sombra forte e homogênea dessa densidade de milho influenciou fortemente no crescimento dos capins – todos da espécie Panicum maximum (massai, tamani, mombaça e tanzânia). No seu lugar de origem, a Savana Africana, esses capins se comportam como estrato baixo, ou seja, toleram a sombra de árvores e arbustos. Porém, no melhoramento genético desses capins, foram selecionados genótipos tradicionalmente tolerantes ao Sol. Necessitamos buscar genótipos desses capins tolerantes à sombra e, ao mesmo tempo, devemos aumentar a densidade de milho na linha e o espaçamento das entrelinhas. Como exemplo, Ernst Götsch cita o plantio de seringueira a 7 m x 7 m. Dessa forma, o cacau plantado abaixo das árvores não se desenvolve bem. Porém, quando plantamos seringueiras em fila duplas apertadas e damos um espaçamento maior (de, por exemplo, 14 m entre linhas duplas de seringueiras), é possível inserir cacau e outras árvores nas entrelinhas, com, praticamente, a mesma densidade de seringueiras por hectare em espaçamentos homogêneos. O pesquisador Ernst Götsch já testou isso também para eucalipto em sistemas silvipastoris e para dendê, permitindo cultivar outras plantas em multiestrato – um dos princípios da agricultura sintrópica. Com isso, abrimos um grande leque de possibilidades, buscando concentrar as plantas cultivadas na linha e aumentar o espaçamento das entrelinhas, as quais podem ser ocupadas por capins, leguminosas e outras plantas perenes resistentes à poda e grandes produtoras de biomassa.

Os experimentos com soja – testando dois espaçamentos de entrelinha (0,6 m e 1 m), duas variedades de soja e dois tipos de capins – permitiram concluir que:

1) Como apresentam um porte bem mais alto que massai e tamani, os capins tanzânia e mombaça obrigam-nos a mais cortes sucessivos, até que a soja ganhe força e se sobreponha a esses capins, pois a soja é bastante lenta no início de seu crescimento. O capim tanzânia exigiu cinco cortes. Porém, como tivemos que esperar a chuva diminuir para colher a soja, foi necessário mais um corte dele para facilitar a colheita – ao contrário da área com massai, onde foram necessários apenas três cortes do capim.

2) Os capins massai e tamani exigem menos cortes durante o ciclo da soja; por outro lado, durante esse período, produzem biomassa em menor quantidade e menos lignificada.

3) No caso da soja plantada com espaçamento de 60 cm e três filas de massai na entrelinha, notou-se que a soja fechou muito cedo a entrelinha, sombreando-as por um longo período e provocando a morte do capim massai, o que pode ser negativo se buscamos uma cobertura de solo perene ao longo de todo ano, fator fundamental para manter viva a microvida do solo e proteger o solo do vento, das chuvas, da incidência solar, etc, além de ter fotossíntese constante em todo o campo.

4) O ideal é semear o capim homogeneamente nas entrelinhas, pois, assim, cobrimos o solo uniformemente e evitamos o aparecimento de ervas com florescimento precoce, as quais podem transmitir informação de senescência, interferindo negativamente no desenvolvimento pleno da cultura econômica. Nos experimentos, optou-se por semear o capim em linhas para ficar mais fácil o plantio por pessoas com pouca experiência em agricultura, já que muitas vezes trabalhamos com voluntários.

5) A produtividade abaixo da média em ambas as variedades de soja pode ter como outras causas, além da baixa fertilidade do solo, o plantio tardio (CRUZ et alli, 2010) ou a utilização de variedades não adaptadas ao clima da região, já que foram usados materiais selecionados para o plantio no Maranhão, escolhidos porque buscávamos variedades de soja não transgênicas de porte alto. Em contato com a EMBRAPA, foram indicadas essas variedades, que, segundo o pesquisador Marcio Armando, têm porte baixo no Maranhão, mas, se plantadas no Centro Oeste, poderiam ultrapassar 1 m de altura (de fato, as plantas atingiram até 1,1 m de altura). A ideia é que, com variedades altas, diminui-se o número de cortes do capim nas entrelinhas. Consultando bibliografia a respeito para entender o porquê de tantas vagens vazias ou com menos de três sementes na variedade sambaíba, encontramos a seguinte observação no livro, SOJA: fatores que afetam o crescimento e o rendimento de grãos, de Mundstock et alli (2005):

A situação oposta ocorre com cultivares que retardam excessivamente o florescimento e há crescimento vegetativo exagerado. Forma-se um grande número de ramos e, em decorrência, de nós. Nestes, podem se originar flores, mas o aborto floral e de legumes vai ser muito elevado, causando o desbalanço entre o crescimento vegetativo e reprodutivo. Isso acontece com cultivares não adaptadas às condições de fotoperíodo e temperatura do local.

6) A soja plantada com espaçamento de 1 m e quatro filas de capim mombaça na entrelinha manteve o capim vivo durante todo o ciclo, mas ainda é cedo para avaliar se isso ocorrerá nas áreas dos agricultores, pois tivemos falhas de plantas de soja nas linhas e também linhas em que a soja cresceu sem falhas, fechando completamente as ruas (mais tardiamente, comparando com a soja e massai), o que provocou também a morte do capim tanzânia. Assim, é necessário repetir os experimentos testando o mesmo princípio de espaçamentos propostos acima por Ernst Götsch, como no caso das seringueiras com cacau, eucalipto e dendê. Ou seja, aumentar o número de plantas por metro na linha com os espaçamentos já testados e aumentar o espaçamento das entrelinhas e número de plantas na linha. Assim podemos garantir a cobertura perene dos campos.

Vale a pena lembrar também que teremos sempre as linhas de árvores perenes a cada 4 m, 5 m ou 6 m em todo campo, garantindo raízes vivas o ano todo para alimentar a microvida do solo. Caso não tenhamos sucesso em manter o capim vivo nas entrelinhas mais espaçadas, ou caso a produtividade seja muito baixa, uma possibilidade seria aproximar mais as linhas de árvores.

Os experimentos foram de grande utilidade para avaliarmos o comportamento tanto dos grãos como dos capins. Dados muito sutis foram obtidos, como, por exemplo, quanto ao crescimento deficiente do capim quando este não recebe o sol nascente (linha mais a leste nas entrelinhas dos grãos). Nas discussões com Ernst Götsch, este aprofunda cada vez mais o entendimento de como consorciar as plantas. Sua orientação é fundamental para o avanço dos testes. Atualmente o cultivo de milho chega a ter mais de 90.000 plantas por hectare, mas essa densidade torna quase impossível o estabelecimento de plantas perenes mais baixas, em suas entrelinhas, que tolerem tal sombreamento. Portanto, é necessário testar várias densidades de plantas. Quando aumentamos o espaçamento entre as linhas, ele pode ser mais benéfico para o solo, pois mantém o capim mais saudável, com maior taxa fotossintética, o que pode ser benéfico também para os grãos cultivados (uma rizosfera com superávit de açúcares e oxigênio pode ser mais benéfica para a biocenose do solo). Enfim, não devemos jamais maximizar a produção da soja em detrimento de parâmetros que indicam uma maior saúde do nosso solo e de sua biocenose, pois são esses parâmetros fundamentais que garantem uma colheita de soja a longo prazo, uma agricultura de 40 séculos.

Procedendo dessa maneira, podemos supor, à primeira vista, que ocorrerá uma redução da produção absoluta de grãos por hectare. No entanto, apesar dos resultados obtidos, ainda é cedo para tal afirmação, pois estamos trabalhando em solos bastante empobrecidos. Quando partimos de uma visão ampla e vemos nossos campos de cultivo como uma extensão do planeta Terra, das florestas nativas, cada visita aos campos de cultivo tem como propósito deixar o local melhor do que o encontramos. Dessa forma, a colheita é apenas um subproduto. Isso gera, naturalmente, uma produção muito mais sustentável e, no final das contas, é o que realmente conta. A diferença entre custo e receita é fundamental, mas essa diferença, a que costumamos chamar de lucro, só tem valor se não há uma dilapidação do patrimônio natural: solos, águas, ar, clima, animais silvestres, microvida do solo etc. Para isso, é fundamental observarmos se estamos caminhando no sentido de fazer a vida prosperar. Nesse sentido, temos que olhar não apenas para os lucros, mas também para os fatores ecológicos, como a conservação da estrutura do solo, o não uso de venenos de qualquer espécie, a conservação da água, a regulação climática do local de produção realizada pelas árvores e, por último e não menos importante, o sentimento de retribuir à Natureza tudo que ela nos ofertou até aqui, após incontáveis gerações.

PRÓXIMOS PASSOS:

Os experimentos apresentados neste artigo foram os primeiros testes com objetivo de consorciar capins e grãos, algo realmente inovador e revolucionário, pois os resultados indicaram que isso é possível e viável. Para aprofundar as pesquisas, indicamos abaixo os próximos passos a serem seguidos, com intuito de eliminar variáveis desnecessárias e clarificar cada vez mais essa possibilidade.

1) Repetir os experimentos em solos comumente utilizados para produção de grãos, com níveis adequados de nutrientes e matéria orgânica, permitindo eliminar a variável “baixa fertilidade do solo”. Com isso, os consórcios podem ser avaliados em situações reais de campo, onde se espera que alcancem produtividades semelhantes ou até superiores à média nacional. Alguns produtores rurais do Grupo de Agricultura Sustentável (GAS) já se dispuseram a repetir os experimentos em suas terras.

2) Realizar análise de solo das oito amostras de soja, com intuito de avaliar a variável fertilidade, comparando a produtividade de cada fazenda com a fertilidade do solo. Repetição da análise de solo nas áreas dos experimentos, principalmente onde foi cultivada a soja, buscando avaliar se e o quanto a fertilidade da terra melhorou após esse primeiro cultivo, além de se e o quanto essa fertilidade impactou na produtividade.

3) Realizar experimentos com milho testando espaçamentos maiores de entrelinhas com maior adensamento de plantas na linha (Tabela 7), pois, em outro experimento ainda não publicado, em um stand de milho de 50.000 plantas por hectare (1 m x 0,2 cm de espaçamento do milho com entrelinhas de capim), o milho cresceu com bastante vigor e, quando sombreou fortemente a área, parte do capim das entrelinhas morreu depois de ceifado, o que não pode acontecer, já que, após a colheita, o solo fica completamente descoberto e deixamos de maximizar a fotossíntese.

Nos experimentos com linhas de milho a cada 2 m, será testado também o plantio de linhas de feijão (buscando-se uma variedade alta) nas entrelinhas de capim.

4) Realizar experimentos com soja testando tanto os mesmos espaçamentos quanto espaçamentos maiores de entrelinhas, com maior adensamento de sementes de soja na linha, permitindo, dessa forma, que o capim receba mais sol durante o ciclo da soja.

5) Montar experimentos com soja, milho, sorgo e algodão, tendo capim nas entrelinhas e linhas de árvores a cada 6 m, com as seguintes variáveis: adubo orgânico, pó de rocha e fermentados de microorganismos, de acordo com a Tabela 8.

6) Criar campos homogêneos que retratem a plantio em larga escala fielmente. Nos experimentos realizados, tínhamos linha de eucalipto e linhas de banana prata, com árvores nativas ainda pequenas. Assim, podemos obter resultados muitos mais próximos daquilo que realmente vai acontecer em milhares de hectares, com linhas de árvores a cada 6 m.

Há muito ainda para ser desenvolvido e testado na agricultura sintrópica em larga escala, a qual busca recriar o ambiente em que as plantas coevoluiram por milhares de anos. Realizar esse tipo de agricultura de forma mecanizada em milhares de hectares não apenas transformará a paisagem rural do planeta, como também poderá garantir um futuro à espécie humana, pois, se há algum futuro para nós, ele está intrinsecamente ligado à recuperação de todas as florestas do planeta Terra.

O Centro de Pesquisa em Agricultura Sintrópica - CEPEAS, é uma entidade sem fins lucreativos. Se você tiver interesse em contribuir com nossa pesquisa, por favor entre em contato: vidaemsintropia@gmail.com (Fernando Rebello).

BIBLIOGRAFIA:

CALDAS, Juliana. Fazendo no Cerrado registra recordo brasileiro na produtividade de trigo. EMPRAPA, 2017. Availble at: <https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/29565199/fazenda-no-cerrado-registra-recorde-brasileiro-na-produtividade-de-trigo>. Acess: 06/05/2019.

CRUZ,Thyane Viana da et alli. Componentes de produção de soja em diferentes épocas de

Semeadura, no oeste da Bahia. Biosci. J., Uberlândia, v. 26, n. 5, p. 709-716, Sept./Oct. 2010.

GÖTSCH, Ernst. Comunicação pessoal. Workshop “Agricultura Sintrópica”. Alto Paraíso de Goiás, Brazil, 2019.

MUNDSTOCK, Claudio M. et alli. Soja: Fatores que afetam o crescimento e o rendimento de grãos. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.

Fernando Rebello

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